Sempre foi mágico aquele momento em que as malas atravessam uma cortina de tiras de borracha preta e desfilam imóveis por uma passarela, enquanto os donos das gorduchas aguardam a entrada da sua em cena.
Tudo começava horas antes, no momento da partida, quando a mala era deixada em um outro piso rolante, e de lá partia. Alice figurava seus pertences viajando por uma esteira imaginária e, pelo caminho, cruzando com nuvens e estrelas. E, se o avião ia tão rápido, é claro que a esteira, ao sair do aeroporto, ganhava igual velocidade. De modo que chegavam juntos: proprietário e propriedade, em incrível sincronia. Uma vez, a mala de Alice aterrissou encharcada. Ela pensou: ou as estradas-esteiras voam mais baixo que os aviões ou as nuvens estariam altas demais naquele dia. Afinal, havia chovido!
Hoje, no entanto, passados alguns anos, as imagens fantasiosas de Alice desceram à terra. Hoje, ela tem a triste certeza de que aquela mala molhada sinalizava nada menos ordinário do que um vazamento qualquer ou uma má manutenção no bagageiro da aeronave.
Alice saiu do avião e uma única esteira do pequenino aeroporto dividia espaço com a pista de pouso. Aquela esteira imaginariamente infinita, transportadora de malas ou quaisquer objetos pelos ares, era, na verdade, circular. Rodava em si mesma. O que dividia suas metades era um vidro, um vidro! Alice não teve como evitar ver seu céu despencando. Quanto mais olhava, mais a frustração se confirmava. Ela viu funcionários da companhia aérea retirando, com seus braços doídos e suas caras cansadas, as malas do avião. E empilhando-as em um caminhãozinho. Viu o caminhãozinho se aproximando do outro lado do vidro, o motorista parando e descendo com o co-piloto. E os dois jogando as malas na falsa estrada aérea. E aquela cortina preta ali, mas sem função. O que ela via fazia parte de uma logística humana tão pouco inspiradora. Aquela gente, como as esteiras, rodando sem sair do lugar. Era tudo incondizente com o que, para Alice, representa uma viagem (ou, pelo menos, seus resultados)...
Aquelas malas não eram mais objetos privilegiados que carregavam outros tantos para uma viagem emocionante, em esteiras que – acreditava – deviam formar escorregas e, nessas horas, posicionar-se como tapetes de arcos-íris. Alice viu que tudo é muito mais simples e sem graça do que parece quando se desconhece. Deparou-se, dessa vez de forma transparente, com um mundo cruelmente real.
Pelo menos, pensou a jovem , por anos e anos as malas escondidas e as paredes opacas aguçaram sua imaginação. Agora, quando viaja, Alice lembra que, sim, outro mundo já foi possível. E para que sempre seja, leva livros na mala de mão.
quinta-feira, março 29, 2007
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6 comentários:
Muito legal essa viagem.
Por que tantos comentários excluídos???
Oi Ciça!!! Vc tem um blog?? Hahahahaha
Limonada, eu vou á saber.. ;-(
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